Treino de perícias físicas

Enquanto os filhos de Apolo cantavam na fogueira, eu saí calmamente de onde estava sentada, entre alguns de meus amigos. Estava sem prática e precisava treinar furtividade, e que hora melhor para isso do que oito da noite, escuro como estava? Eu me dirigi aos meus instrutores, mas só encontrei Martha, lendo na luz fraca.

Dirigi-me até ela com cuidado, receosa. O livro parecia muito bom e ela parecia totalmente desligada, então fiquei com medo de tirá-la de sua leitura e de que ela ficasse zangada.

- Vai falar ou ficar me encarando aí para sempre? – perguntou Martha simplesmente.

Eu a encarei, meio chocada.

- Como você...? – perguntei.

- É uma simples questão de prática. – ela colocou um marcador na página e fechou o livro – Ellen, treino de furtividade, certo?

- Boa memória. – falei simplesmente.

Ela me sorriu e então se levantou, levando o livro debaixo do braço. Caminhou serenamente até uma parte meio isolada na área recreativa e puxou um baú de livros. Olhei ao meu redor enquanto ela parecia pensar consigo mesma. Era o lugar no qual eu treinara anteriormente.

As cadeiras e mesas eram bem distribuídas, dando um bom espaço para se andar ali, sem problemas. Os guarda-sóis, agora sem utilidade, estavam fechados. Eu observei novamente Martha, que agora levantava e levava um abajur tirado de não sei de onde para uma mesa.

Ela pôs o abajur na mesa e voltou até mim e, enquanto isso, tirava algo do seu cinto. Era uma adaga. Minha mão esquerda voou automaticamente para cima da direita, onde sentiu meu anel, cujo qual eu não saía sem do chalé. Uma arma de presente de reclamação de Hades, o anel na verdade se transformava nas minhas adagas gêmeas de ferro estígio, que me eram bem úteis.

Mas ela não me atacou. Apenas colocou o livro no baú e levantou graciosamente. Eu a encarei por um momento, até que ela sorriu.

- Vamos treinar, então. Dessa vez você vai ter que me roubar. – ela gesticulou para os livros – Não vai ser tão fácil quanto seu treino com o Jhonny. Suas metas são: roubar um livro qualquer e sair sem ser notada.

- O “sem ser notada” é a parte que complica. – confessei.

- Você só tem que se concentrar em não ser notada. Esse é o principal objetivo nesse treino. – ela então segurou a adaga, puxou uma cadeira e se sentou – Poderia escolher um livro para mim ali, sim?

- Não quer terminar aquele que já estava lendo? – perguntei enquanto ia para o baú.

- Não, só estava relendo. – ela disse num tom entediado.

Agachei-me em frente ao baú e peguei o primeiro livro que eu vi, um com a capa grossa. Levantei-me e a entreguei o livro. Ela pegou e o observou criticamente.

- Boa escolha. – disse simplesmente e então ergueu o livro na altura dos seus olhos e começou a ler.

Ergui minhas sobrancelhas para ela, mas ela não viu. Respirando baixo, fui até o baú, mas ela falou, ainda com o livro cobrindo os olhos:

- Não assim, você deve sair e entrar novamente.

Eu a encarei, perplexa, até que ela baixou o livro e ergueu as sobrancelhas. Reclamei sobre poderes sobrenaturais enquanto saía da área. Então eu me concentrei. Eu ouvira meus irmãos falando sobre nossos poderes e um deles era a Camuflagem Avançada, que algumas de minhas irmãs tinham certeza que eu poderia usar, mas eu não estava tão certa.

Eu tentei me imaginar como parte das sombras, mas não aconteceu nada. Balancei a cabeça e prendi meu cabelo num nó. Então controlei minha respiração. Respirando curto e baixo, eu me abaixei e comecei a engatinhar até a mesa mais próxima, onde me escondi.

Martha abaixou o livro e deu uma espiada, então voltou a sua leitura. Eu fui para a mesa mais próxima de mim e dela, então me escondi novamente. Ela olhou por cima do livro. Prendi a respiração, mas ela simplesmente voltou a sua leitura. Relaxei e retomei minha respiração curta.

Então continuei. Uma mesa por vez, estava quase perto do baú, mas também quase perto de Martha. Então eu fui para a parede e me ergui. Meu tênis fazia menos barulho no chão do que meu joelho. Eu andei devagar até perto do baú e esperei. Ela abaixou o livro e verificou, mas dessa vez franziu o cenho.

Eu fiquei nervosa, mas ela voltou a sua leitura. Então eu andei o mais depressa e silenciosamente que pude e peguei um livro pequeno do baú. Voltei, então, para perto da parede. Fechei os olhos, esperando seu comentário, mas nada veio. Quando abri os olhos novamente, ela estava levantando o livro para voltar a ler novamente.

Quase me descuidei, mas não obteria sucesso até sair dali sem ser pega. Eu então resolvi me abaixar e voltar a estratégia das mesas. Eu esperava que ela olhasse, então avançava. Uma mesa de cada vez, consegui avançar duas delas até que Martha comentou simplesmente:

- Você pegou o livro, mas não saiu sem ser notada.

Suspirei e me levantei, derrotada. Martha riu.

- Era só um palpite, pois você estava demorando. Na verdade, eu não estava te vendo. – ela revirou os olhos.

- Isso é trapaça! – a acusei.

- Não, isso é uso de estratégia. – ela sorriu – Nunca desista da sua missão, garota, por mais impossível que pareça.

Dei de ombros e me espreguicei.

- Tudo bem. Acho que vou voltar para o meu chalé e dormir, afinal. – falei simplesmente.

- Não vai levar o livro. – Martha disse.

Olhei o livro pequeno na minha mão e fui até ela, entregá-lo. Quando me virei para sair, ela segurou meu pulso.

- Não fique desapontada consigo mesma. Foi muito bem. Só precisa ganhar um pouco de confiança para que consiga parar de cometer sempre o mesmo erro. – ela disse.

- Um elogio com uma crítica disfarçada. – comentei – Mas obrigada.

- Não tem o que agradecer. – disse ela simplesmente.

Então ela voltou a ler e eu me virei, pronta para sair. Talvez eu devesse realmente ter mais confiança. Mas, por agora, tudo o que eu queria era a minha linda e confortável cama.