1º Luau Hawaiano de Ártemis & Amigos

Suspirei. No pequeno espelho escondido nos fundos do banheiro masculino, a figura desanimada e imersa em seu constante contentamento descontente. Esquivei-me rapidamente. A visão era tão degradante, que preferia evita-la o máximo possível. As vestes não me caracterizavam. Na verdade, era algo que eu jamais vesti. Uma camisa de linho branca, com mangas longas dobradas à altura dos cotovelos, junto à bermuda de praia de listras verticais em contraste preto e branco e sandálias de dedo juntos formavam as vestes que tão relutantemente usava naquela noite.

Deve ser aquilo... Como é que eles chamam? Aquela estranha necessidade de se viver em sociedade com os outros seres de nossa espécie, mesmo que extremamente desprezíveis. Finalmente deixei o vestiário. No chalé XIII, as crias de Hades espalhavam às vezes estáticas, às vezes esgueirando-se pela penumbra da fraca iluminação refletida pelas pedras preciosas incrustadas no mármore negro. Silenciosas, fitando-me mortalmente. Seus olhos vacilantes na escuridão possuíam efeito nulo sobre mim, mas a aura que circulava aquele lugar era letal. Por isso, em poucos passos, atravessei o dormitório, abrindo a porta e invadindo o ar livre da colina, banhado pela luz azulada da lua. Naquela noite, sua luz parecia mais majestosa, e a esfera mais próxima da Terra.

- Você sabe mesmo o que está fazendo? – Proferi a pergunta, um tanto retórica, mas, ainda assim, direcionada ao próprio locutor. Meneei a cabeça, ignorando a mim mesmo e deixando a área dos chalés lentamente.

À distância, era possível ouvir o som que remetia ao Hawaii. Mais cedo, os campistas não paravam de comentar sobre a visita de Ártemis, assim como as festividades desta noite. Agora os múrmuros dos campistas tornavam-se cada vez mais audíveis, à medida que a distância entre a praia e eu diminuía. Os passos lentos avançavam cada vez mais, até a areia branca finalmente se tornar visível.

Almofadas espalhadas por todo o lado faziam parte da decoração naquela noite. Tikis iluminavam fracamente o espaço. Problema resolvido pela enorme fogueira, onde labaredas brilhavam magníficas, agitadas pela brisa continental. Num outro espaço, o som que agora eu podia ouvir perfeitamente, revelava-se produto de um pequeno grupo de filhos de Apolo. Ao lado da banda, os comes e bebes eram administrados pelos filhos de Deméter e de Dionísio.

Felizmente, eu já conhecia o padrão das festas no acampamento. Se eu queria algo razoavelmente bom, precisaria procurar na área mais perigosa daquela praia. Atravessei o lugar, pelo piso fofo, até me ver fitando o pequeno grupo das proles de Hermes. Vestiam casacos pesados demais para uma festividade. A troca foi rápida. De meus bolsos, saíram alguns dracmas; do casaco do garoto, uma garrafa de Absolut. Tomei a garrafa em minhas mãos, escondendo-a o máximo possível. Algo pouco necessário, pois a praia, já infestada de semideuses, tratava de me camuflar na multidão.

Sentei-me em uma das almofadas, recostando-me no tronco de uma palmeira. A garrafa em minhas mãos tocou meus lábios, molhando minha garganta com o líquido transparente. Ter ido àquela festa me parecia, cada vez mais, uma boa ideia. Todavia, a festa só estava começando e a noite só pertence a Ártemis.

A voz doce e marcante vinda de cima chamou minha atenção. À minha frente, um grupo de semideuses pronto para roubar minha garrafa. Entre eles, uma filha de Quione. Quase parecia responsável, lançando-me sermões sobre trazer bebida para o luau.

- Estão servidos, semideuses? – Disse, levantando-me. Sentia o álcool começar lentamente a fazer efeito. Mas com tão pouco álcool, não seria possível perder o controle – era o que eu pensava. A luz da fogueira brilhava nos rostos de Paulo, Louise, Elizabeth e todos ali. Aproximei-me mais que rapidamente, num movimento impulsivo, beijando a cria de Quione na bochecha esquerda. – Você cheira a raspadinha de framboesa. – Comentei, prosseguindo com uma breve risada. Deixei a garota aninhando a garrafa de vodka, aproximando-me de Louise, a filha de Poseidon. – Eu sei que você também quer um beijo do bêbado da festa. – Disse, avançando rápidamente e beijando-a na bochecha direita. – Ok. Agora estou feliz.